O Instituto Maria Schmitt de Desenvolvimento de Ensino, Assistência Social e Saúde do Cidadão (IMAS) está em fase de descredenciamento pelo Governo do Estado de Santa Catarina — e mesmo assim, assumirá a gestão do Hospital Universitário da Universidade Regional de Blumenau (FURB) na próxima semana. A contradição soa como um paradoxo administrativo, mas é a realidade em que Blumenau se prepara para abrir um novo hospital universitário enquanto sua gestora enfrenta sérias acusações de má gestão em outros hospitais. O processo de descredenciamento foi iniciado em agosto de 2023, após relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontar falhas graves no Hospital Regional de Araranguá, também administrado pelo IMAS. O Ministério Público de Santa Catarina acompanha o caso. Mas o contrato com a FURB foi assinado em 29 de outubro, e o hospital abrirá suas portas em 17 de novembro — como se nada tivesse acontecido.
Um hospital que nasce sob sombras
O Hospital Universitário da FURB, localizado no Campus 5, no bairro Fortaleza Alta, foi inaugurado em 2012, mas funcionou por anos apenas como ambulatório acadêmico. Agora, após investimentos da prefeitura e do estado, ele voltará como unidade plena de atendimento ao SUS. A previsão é de 5.000 atendimentos mensais no pronto-socorro 24 horas — um aumento de 30% na capacidade de emergência da cidade. Serão 17 leitos de internação, 350 cirurgias eletivas e 400 ambulatoriais por mês. Tudo isso, segundo o secretário de Saúde de Blumenau, Douglas Rafael, vai aliviar filas crônicas em ortopedia, urologia e ginecologia. A prefeitura garante um investimento mensal de R$ 1 milhão para manter a operação. Mas quem vai gerenciar tudo isso? O IMAS.
Isso é o que deixa especialistas em saúde pública perplexos. Em setembro, o TCE suspendeu dois convênios com o IMAS referentes ao Hospital e Maternidade Imigrantes, em Brusque. Um de R$ 1 milhão e outro de R$ 250 mil. O motivo? Falhas na oferta de serviços de urgência e emergência, risco de duplicidade de custeio entre contratos e falta de transparência. O relatório técnico do TCE foi claro: "há indícios de descumprimento do objeto conveniado". E mesmo assim, o IMAS segue como gestor de um novo hospital, com contrato de 10 anos.
Quem é o IMAS e por que ele ainda está no jogo?
O Instituto Maria Schmitt é uma Organização Social (OS) — entidade sem fins lucrativos que recebe recursos públicos para administrar serviços de saúde e educação. Elas foram criadas nos anos 1990 para desburocratizar a gestão pública, mas nos últimos 15 anos, viraram alvo de inúmeras investigações por desvios, superfaturamento e má prestação de contas. Em Santa Catarina, o IMAS já foi alvo de denúncias em pelo menos três municípios. Em Araranguá, o hospital sob sua gestão teve o atendimento reduzido e pacientes transferidos por falta de médicos. Em Brusque, o TCE encontrou falta de registro de compras e contratações. E mesmo assim, o governo estadual não o descredenciou antes de assinar o novo contrato.
"É uma escolha incoerente", diz Dr. Luiz Henrique Mendes, ex-secretário de Saúde de Joinville e professor de gestão pública na UFSC. "Você não pode premiar uma entidade que já foi flagrada em irregularidades, especialmente em um momento em que a saúde pública está sob tanta pressão. O risco é transferir os problemas de Araranguá e Brusque para Blumenau. E isso não é teoria — é lógica administrativa."
O prefeito de Blumenau, Egidio Ferrari, defende a escolha: "Estamos tirando este importante projeto do papel, transformando o HU em uma solução real para a nossa cidade." Ele insiste que a gestão do IMAS será fiscalizada pela prefeitura e pela FURB. Mas o que a prefeitura não diz é que, segundo o contrato, a FURB não tem poder de gestão operacional — apenas supervisão técnica. O IMAS contrata os profissionais, compra os insumos, define os horários e responde pelas contas. A cidade confia, mas o Estado já desconfia.
O que pode acontecer se o IMAS for descredenciado?
Se o descredenciamento for concluído — e o TCE já deu o primeiro passo —, o Hospital Universitário da FURB pode parar de funcionar. O contrato com o IMAS é de 10 anos, mas se a entidade perder o credenciamento estadual, todos os repasses públicos serão cortados. Isso significa que os R$ 1 milhão mensais da prefeitura podem não ser suficientes. O IMAS precisa de mais R$ 500 mil para reformas e R$ 1,8 milhão para equipamentos. Sem o apoio do Estado, o hospital corre o risco de fechar antes mesmo de começar. E quem paga a conta? A população de Blumenau, que terá que voltar às filas de espera de antes.
"Se o IMAS for realmente descredenciado, será um problemão para Blumenau", escreveu o jornalista Alexandre Gonçalves no Informe Blumenau. "Uma das metas do novo hospital é firmar convênios com o Estado para executar os serviços." E agora, esses convênios estão suspensos. A prefeitura não tem plano B. Não há outra OS preparada para assumir o hospital em 15 dias. Ninguém quer tocar nesse fogo.
As reações da sociedade
Na internet, a indignação cresce. Um comentário no artigo do Informe Blumenau resumiu o sentimento de muitos: "Mas como utilizar o IMAS se tem vestígios de irregularidades? É histórica a tradição dessas Organizações Sociais serem um antro de desvios de recursos principalmente na Saúde! Parece que só nossos gestores locais 'não sabem'!!". A frase ecoa em fóruns, grupos de WhatsApp e reuniões de conselhos municipais de saúde. O problema não é só o IMAS. É o sistema. O sistema que permite que entidades com histórico de irregularidades continuem recebendo milhões de reais, sem que haja punição real.
Na semana passada, o Ministério Público pediu a suspensão de todos os contratos do IMAS até que se comprove a regularidade. O governo estadual ainda não respondeu. Enquanto isso, em Blumenau, os técnicos da FURB montam os equipamentos, os funcionários do IMAS começam a contratar, e os moradores do bairro Fortaleza Alta aguardam ansiosos — alguns com esperança, outros com medo.
Qual é o próximo passo?
Agora, tudo depende do TCE. O órgão tem até 60 dias para concluir o processo de descredenciamento. Se decidir manter o IMAS, o hospital de Blumenau abre normalmente — mas com a sombra de uma possível revogação futura. Se decidir cancelar, a prefeitura terá que correr contra o tempo para encontrar outra gestora, o que pode levar meses. E os pacientes? Eles vão esperar. Mais uma vez.
A verdade é que Blumenau ganhou um hospital. Mas não ganhou segurança. Nem transparência. Nem garantias. O que ganhou foi um grande risco, disfarçado de avanço.
Frequently Asked Questions
Por que o IMAS ainda pode gerenciar o hospital se está sob investigação?
O descredenciamento ainda não foi concluído — está em fase processual. Enquanto o Tribunal de Contas não publica a decisão final, o IMAS mantém seus contratos em vigor. Isso é comum na burocracia pública, mas gera risco: o hospital pode ser interrompido se o descredenciamento for confirmado. A prefeitura alega fiscalização, mas não tem poder para suspender o contrato.
Quais são os riscos financeiros para Blumenau se o IMAS for descredenciado?
A prefeitura já investiu R$ 1 milhão por mês e R$ 1 milhão em infraestrutura. Se o IMAS for retirado, o hospital pode parar, e os equipamentos comprados — como tomógrafos e ultrassons — podem ficar inutilizados. A cidade teria que buscar outra OS, o que levaria de 3 a 6 meses. Nesse período, os pacientes voltariam às filas antigas, e o investimento público seria parcialmente perdido.
O Hospital Universitário da FURB já tinha problemas antes do IMAS?
Não. O hospital funcionava como ambulatório acadêmico desde 2012, com poucos atendimentos e sem emergência. A estrutura estava subutilizada, mas não havia denúncias de corrupção. Os problemas surgiram apenas com a mudança de gestão para o IMAS, que é o mesmo responsável por hospitais com irregularidades em Araranguá e Brusque. O que muda agora é o escopo: de ambulatório para hospital pleno.
Como o TCE descobriu as irregularidades no Hospital de Brusque?
A fiscalização foi feita por meio de cruzamento de dados entre os convênios, notas fiscais e registros de atendimentos. O TCE identificou que o IMAS recebia recursos para custear exames e medicamentos, mas não havia comprovação de que esses serviços foram prestados. Também encontrou contratos sem licitação e falta de relatórios obrigatórios. O valor suspenso — R$ 1,25 milhão — é apenas o que foi comprovado; pode haver mais.
O que a população de Blumenau pode fazer para pressionar por transparência?
A população pode exigir acesso aos contratos e relatórios de gestão do hospital pelo Portal da Transparência. Também pode participar das reuniões do Conselho Municipal de Saúde, onde os cidadãos têm direito a voz. Além disso, denúncias anônimas ao Ministério Público ou ao TCE são válidas e podem acelerar a apuração. A pressão popular já fez o governo suspender repasses antes — pode fazer novamente.
Existe alguma alternativa ao modelo de Organizações Sociais na saúde pública?
Sim. Modelos como gestão direta pelo município ou parcerias com universidades públicas já foram bem-sucedidos em outros estados. Em Florianópolis, o Hospital de Clínicas é administrado diretamente pela UFSC, sem OS. Em Joinville, o hospital municipal tem equipe pública e orçamento próprio. A diferença? Menos burocracia e mais responsabilidade. O problema é que esses modelos exigem mais investimento em gestão pública — algo que muitos governos evitam.
Luana da Silva
novembro 19, 2025 AT 01:04IMAS de novo? Sério? Já viram o que aconteceu em Araranguá e Brusque? Parece que ninguém aprende.
Essa história tá cheia de buraco.